Uma nação sob a falta de noção.

O absurdo da voluntária miscigenação, esse sim, é campeão.

Li Macedo
12 min readOct 6, 2022

A população indígena sobrevivente brasileira está em risco quatro vezes maior de suicídio do que a população em geral e sofre com os efeitos do descaso e exposição à violência e alcoolismo.

Mas essas pessoas também podem ser espancadas, estupradas, enevenenadas, esquartejadas, queimadas e/ou ridicularizados pelo atual presidente.

Representação de José Bonifácio pelo fim da escravidão, 1823.

As opiniões dispostas no livro A abolição no parlamento: 65 anos de luta, publicado em sua terceira edição pelo Senado Federal em 2020, exultam o conteúdo tecido por José Bonifácio. Suponho que as traças também façam bom grado.

Essa Representação foi publicada em Paris no ano de 1825. nela, José Bonifácio mostra a necessidade de abolir o tráfico da escravatura, de melhorar a forma de vida dos cativos e de “promover a sua progressiva emancipação”. A Representação é uma verdadeira diatribe contra Portugal, a Igreja e o Clero da época, assim como contra a ganância dos brasileiros explorando os escravos na lavoura. — Davi Alcolumbre

O primeiro brasileiro marcante a se manifestar sobre o assunto foi ninguém menos do que José Bonifácio, o Patriarca da Independência. Em 1823 ele preparou longa exposição à nossa primeira Assembleia Constituinte, na qual combatia, em linguagem candente, o tráfico de africanos para o Brasil. Denunciava os horrores daquele comércio e os crimes exigidos pela sua prática, bem como criticava com vigor os donos de escravos, referindo-se especialmente aos proprietários de terras, aos padres e aos magistrados, visando assim, diretamente, às altas camadas sociais da época. — Humberto Lucena

No Brasil, José Bonifácio pensava que o equacionamento da liberdade dos negros, com sua integração completa à sociedade, era uma preliminar da definição do Estado.— José Sarney

Mas o que diz José Bonifácio em suas largas e sujas entrelinhas?

Merece seu lugar de destaque no altar dos Santos Abolicionistas cujos milagres se encontram no desaparecimento histórico de suas falas racistas e nas paródias ingratas que até hoje se propagam pelas mídias?

Como cidadão livre e deputado da Nação, dois objetos me parecem ser, fora a Constituição, de maior interesse para a prosperidade futura deste Império.

O primeiro é um novo regulamento para promover a civilização geral dos índios no Brasil, que farão com o andar do tempo inúteis os escravos — cujo esboço já comuniquei a esta Assembleia.

E o segundo, uma nova lei sobre o comércio da escravatura e tratamento dos miseráveis cativos.

Pois somos a única Nação de sangue europeu que ainda comercia clara e publicamente os escravos africanos. Eu também sou cristão, filantropo e Deus me anima para ousar levantar a minha fraca voz no meio desta augusta assembleia a favor da causa da justiça, e ainda da sua política, causa a mais nobre e santa, animar corações generosos e humanos.

Se o antigo despotismo foi insensível a tudo, assim lhe convinha ser por utilidade própria: queria que fôssemos um povo mesclado e heterogêneo, sem nacionalidade, e sem irmandade, para melhor nos escravizar. Graças aos céus, e a nossa posição geográfica, já somos um povo livre e independente.

Mas como poderá haver uma Constituição liberal e duradoura em um país continuamente habitado por uma multidão imensa de escravos brutais e inimigos?

É tempo, pois, e mais que tempo, que acabemos com um tráfico tão bárbaro e carniceiro; é tempo também que vamos acabando gradualmente até os últimos vestígios da escravidão entre nós, para que venhamos a formar em poucas gerações uma Nação homogênea, sem o que nunca seremos verdadeiramente livres, respeitáveis e felizes.

Se os negros são homens como nós e não formam uma espécie de brutos animais; se sentem e pensam como nós, que quadro de dor e de miséria não apresentam eles à imaginação de qualquer homem sensível e cristão?

Se os gemidos de um bruto nos condoem, é impossível que deixemos de sentir também certa dor simpática com as desgraças e misérias dos escravos;

Com efeito, imensos cabedais saem anualmente deste Império para a África; e imensos cabedais se amortizam dentro deste vasto país, pela compra de escravos, que morrem, adoecem, e se inutilizam, e demais pouco trabalham.

Que educação podem ter as famílias, que se servem destes entes infelizes, sem honra nem religião?

De escravas que se prostituem ao primeiro que as procura?

Tudo porém se compensa nesta vida; nós tiranizamos os escravos, e os reduzimos a brutos animais, e eles nos inoculam toda a sua imoralidade, e todos os seus vícios.

Causa raiva ou riso ver vinte escravos ocupados em transportar vinte sacos de açúcar, que podiam conduzir uma ou duas carretas bem construídas com dois bois ou duas bestas muares. A lavoura do Brasil, feita por escravos boçais e preguiçosos, não dá os lucros com que homens, ignorantes e fanáticos se iludem.

Eu desejava, para bem seu, que os possuidores de grande escravatura conhecessem que a proibição do tráfico de carne humana os fará mais ricos; porque seus escravos atuais virão a ter então maior valor, e serão por interesse seu mais bem tratados.

Os senhores promoverão os casamentos e estes à população. Os forros aumentando, para ganharem a vida, aforarão pequenas porções de terras descobertas ou taperas, que hoje nada valem.

Nossas matas preciosas em madeiras de construção civil e náutica não seriam destruídas pelo machado assassino do negro, e pelas chamas devastadoras da ignorância.

Uma vez que se cuide enfim na emancipação gradual da escravatura, e se convertam brutos imorais em cidadãos úteis, ativos e morigerados.

As leis devem prescrever estes meios, se é que elas reconhecem que os escravos são homens feitos à imagem de Deus. E se as leis os consideram como objetos de legislação penal, por que o não serão também da proteção civil? Torno a dizer porém que eu não desejo ver abolida de repente a escravidão; tal acontecimento traria consigo grandes males.

Para emancipar escravos sem prejuízo da sociedade, cumpre fazê-los primeiramente dignos da liberdade: cumpre que sejamos forçados pela razão e pela lei a convertê-los gradualmente de vis escravos em homens livres e ativos. Então os moradores deste Império, de cruéis que são em grande parte neste ponto, se tornarão cristãos e justos, e ganharão muito pelo andar do tempo, pondo em livre circulação cabedais mortos, que absorve o uso da escravatura: livrando as suas famílias de exemplos domésticos de corrupção e tirania; de inimigos seus e do estado; que hoje não têm pátria, e que podem vir a ser nossos irmãos, e nossos compatriotas.

Instruamo-los no fundo da verdadeira religião de Jesus Cristo, e não em momices e superstições: por todos estes meios nós lhes daremos toda a civilização de que são capazes no seu desgraçado estado, despojando-os o menos que pudermos da dignidade de homens e cidadãos.

Este é não só o nosso dever, mas o nosso maior interesse, porque só então conservando eles a esperança de virem a ser um dia nossos iguais em direitos, e começando a gozar desde já da liberdade e nobreza da alma, que só o vício é capaz de roubar-nos, eles nos servirão com fidelidade e amor; de inimigos se tornarão amigos e clientes.

Sejamos pois justos e benéficos, senhores, e sentiremos dentro da alma que não há situação mais deliciosa que a de um senhor carinhoso e humano, que vive sem medo e contente no meio de seus escravos, como no meio da sua própria família, que admira e goza do fervor com que esses desgraçados adivinham seus desejos, e obedecem a seus mandos, observa com júbilo celestial e como maridos e mulheres, filhos e netos, sãos e robustos, satisfeitos e risonhos, não só cultivam suas terras para enriquecê-lo, mas vêm voluntariamente oferecer-lhe até as premissas dos frutos de suas terrinhas, de sua caça e pesca, como a um Deus tutelar.

Artigo 1º Dentro de quatro a cinco anos cessará inteiramente o comércio da escravatura africana; e durante este prazo, de todo escravo varão que for importado se pagará o dobro dos direitos existentes; das escravas porém só a metade; para se favorecer os casamentos.

Artigo 5º Todo escravo, ou alguém por ele, que oferecer ao senhor o valor por que foi vendido, ou porque for avaliado, será imediatamente forro.

Artigo 6º Mas se o escravo, ou alguém por ele, não puder pagar todo preço por inteiro, logo que apresentar a sexta parte dele, será o senhor obrigado a recebê-la, e lhe dará um dia livre na semana, e assim à proporção mais dias, quando for recebendo as outras sextas partes até o valor total.

Artigo 8º Todo senhor que forrar escravo velho, ou doente incurável, será obrigado a sustentá-lo, vesti-lo e tratá-lo durante sua vida, se o forro não tiver outro modo de existência: e no caso de o não fazer, será o forro recolhido ao hospital, ou casa de trabalho à custa do senhor.

Artigo 9º Nenhum senhor poderá vender escravo casado com escrava sem vender ao mesmo tempo, e ao mesmo comprador, a mulher e os filhos menores de 12 anos. A mesma disposição tem lugar a respeito da escrava não casada e seus filhos dessa idade.

Artigo 11 Todo senhor que andar amigado com escrava, ou tiver tido dela um ou mais filhos, será forçado pela lei a dar a liberdade à mãe e aos filhos, e a cuidar na educação destes até a idade de quinze anos.

Artigo 13 O senhor não poderá castigar o escravo com surras, ou castigos cruéis, senão no pelourinho público da cidade, vila, ou arraial, obtida licença do juiz policial, que determinará o castigo à vista do delito: e qualquer que for contra esta determinação será punido com pena pecuniária arbitrária e bem da Caixa de Piedade, dado porém recurso ao Conselho Conservador da Província.

Artigo 14 Todo escravo que mostrar perante o juiz policial, ou Conselho Provincial Conservador, que tem sido cruelmente maltratado por seu senhor, tem direito de buscar novo senhor; mas se for estropiado, ou mutilado barbaramente, será imediatamente forro pela lei.

Artigo 15 Os escravos podem testemunhar em juízo não contra os próprios senhores, mas contra os alheios.

Artigo 16 Antes da idade de 12 anos não deverão os escravos ser empregados em trabalhos insalubres e demasiados; e o conselho vigiará sobre a execução deste artigo para bem do estado e dos mesmos senhores.

Artigo 18 A escrava, durante a gravidez e passado o terceiro mês, não será obrigada a serviços violentos e aturados; no oitavo mês só será ocupada em casa; depois do parto terá um mês de convalescença; e passado este, durante um ano não trabalhará longe da cria.

Artigo 19 Tendo a escrava o primeiro filho vingado, se engravidar de novo, terá além do que acima fica determinado, uma hora de descanso mais fora das horas estabelecidas; e assim à proporção dos filhos vingados que for tendo: ficará forra logo que tiver cinco filhos, porém sujeita a obedecer e morar com o marido se for casada.

Artigo 20 O senhor não poderá impedir o casamento de seus escravos com mulheres livres, ou com escravas suas, uma vez que aquelas se obriguem a morar com seus maridos, ou estas queiram casar com livre vontade.

Artigo 21 O governo fica autorizado a tomar as medidas necessárias para que os senhores de engenho e grandes plantações de cultura tenham pelo menos dois terços de seus escravos casados.

Artigo 22 Dará igualmente todas as providências para que os escravos sejam instruídos na religião e moral, no que ganha muito, além da felicidade eterna, a subordinação e fidelidade devida dos escravos.

Artigo 23 O governo procurará convencer os párocos, e outros eclesiásticos, que tiverem meios de subsistência, que a religião os obriga a dar liberdade a seus escravos, e a não fazer novos infelizes.

Artigo 24 Para que não faltem os braços necessários à agricultura e indústria, colocará, o governo, em execução ativa, as leis policiais contra os vadios e mendigos, mormente sendo estes homens de cor.

Artigo 27 Para recompensar a beneficência e sentimentos de religião e justiça, todo senhor que der alforria a mais de oito famílias de escravos, e lhe distribuir terras e utensílios necessários, será contemplado pelo governo como benemérito da pátria, e terá direito a requerer mercês e condecorações públicas.

Artigo 28 Para exercitar o amor do trabalho entre os escravos e sua maior felicidade doméstica, estabelecerá o governo em todas as províncias caixas de economia, como as de França e Inglaterra, onde os escravos possam pôr a render os produtos pecuniários dos seus trabalhos e indústrias.

Artigo 30 Fica, outrossim, autorizada esta caixa a receber e administrar todos os legados e doações que lhe hajam de fazer, como é de esperar, todas as almas pias e generosas.

Da pesada também são as desinformações, ilusões e os preconceitos. Fonte das imagens: Blog educação e transformação oficial

Vai que é tua Taffarel.

Mas cuidado com os entraves. A raiva do mundo continua a ser nossa…

--

--